terça-feira, 29 de março de 2011

O que a Austrália tem?

Por que tantas bandas ótimas surgem na Austrália? Eu não sei. Preciso conhecer a Austrália para tentar refletir sobre isso.
Mas há alguns fatos sobre a Austrália que nos impele a pensar sobre...

Acho que 6 bandas, especificamente, podem dar a luz ao questionamento. Lógico que em suas devidas proporções e áreas de criação.

AC/DC
Men At Work
Silverchair
The Vines
Jet
Wolfmother

Primeiro. AC/DC. Se há uma unanimidade no Hard Rock, definitivamente é a banda de Angus Young. Se há uma unanimidade entre os guitarristas (além de Jimi Hendrix, mas como estamos falando de guitarristas e não de deuses...) essa é Angus. Ele e seu irmão Malcolm formar desde '73 a maior e mais importante banda de Hard Rock de todos os tempos. Transcendendo todos os limites do estilo que foi surgiu e foi fortalecendo ao longo dos anos '80 e início dos '90 até o surgimento do grunge que tirou a maquiagem e as muitas máscaras que o rock e o mainstream vestiram sob suas plataformas e roupas brilhantes durante a sua fase púrpura e cheia de glitter. O AC/DC nunca usou isso. O AC/DC é imagem também. Mas nunca atrelada aos grandes ícones de vocalistas Sex Symbols ou andrógenos que o Hard Rock trouxe nos anos '80. Muito além disso. Eram as calças jeans surradas, os coletes de couro, a boininha de maquinista ou mesmo o uniforme herege de escola com shortinhos curtos e os chifres vermelhos que foram associados ao som legitimamente Hard Rock e Australiano do AC/DC. Com boas doses de Pop, letras vazias que falam do imaginário do inferno, um guitarrista que de técnica e rapidez nunca teve nada, uma bateria extremamente específica com tempos alternados e com uma simplicidade quase ignorável e um vocalista com voz rasgada e absurdamente forçada criando músicas muito parecidas por 35 anos, a banda dos irmãos Young trouxe ao mundo algo que talvez só os Ramones também trouxeram: identidade. Quase um Ethos. AC/DC é muito mais do que Hard Rock e sua qualidade vai além de qualquer outra banda. Há quem os compare, em grandiosidade ao Aerosmith ou ao Guns N' Roses, mas Aerosmith sempre abusou do glitter e da androgenia e o Guns 'N Roses existiram por míseros 10 anos com muitos sucessos radiofônicos blockbuster e muito devido ao posto de Sex Symbol de AXL Rose e sua voz ainda mais forçada que nos rende boas risadas hoje o vendo tentar alcançar os agudos de 20 anos atrás. O AC/DC sempre encarou outra postura. Muito mais independente e inrotulável: faziam hinos. Músicas para serem tocadas em estádios. Riffs simples, muito parecidos, mas reconhecíveis em seus menores acordes ou timbres. Solos que não representam nada para a música, mas que são sempre aguardados como a um pênalti para fora em final de Copa do Mundo. Músicas que não são assobiáveis como Sweet Child o' Mine ou Livin' on The Edge. Solos inreprodutíveis por outro mortal qualquer que empunha uma guitarra. Mais do Eddie Van Halen, Angus é fiel ao que faz, ao que gosta e ao que seus fãs gostam e reconhecem. O AC/DC é a maior banda de Hard Rock "of everytime" por ser sempre a mesma, mas não ser sempre a mesma e por transcender aos clichês do Rock Rosa e ser fiel à sua identidade. É um algo a mais que deve ser explicável por vir da Austrália, pois eles parecem trazer isso de sua formação pessoal e social. Seu ethos.

O Men At Work surgiu no início dos anos '80 como uma espécie de válvula de escape para o excesso de maquiagem dos roqueiros, do soturnismo do pós-punk e mesmo mais complexo do que o punk que já havia dado mostras do que viria a ser a sonoridade do MAW. Assim como o The Clash foi além do punk e mostrou que mesmo os punks podem ser músicos de requinte fino e muita criatividade quando uniu a música de protesto e a sonoridade punk com ritmos africanos, com reggae, ska e com o hip-hop. O Men At Work chegou no início dos anos '80 seguindo a tendência do The Police e do The Clash de trazer uma sonoridade mais tropical, como é a Austrália. O resultado foi um som entre o Ska e o Reggae e o Rock. Mas com uma caara de praia. Poucas coisas são melhores do que ouvir Overkill ou Down Under sentado na areia de uma praia mais reservada no fim de tarde de um dia pouco ensolarado. Ótimo som para se ouvir na estrada, indo para a praia. Mais do que reggae, ska ou surf music (mais no sentido de música de praia do que surf music), o Men At Work trouxe algo que só eles tem uma sonoridade pop e com identidade. "Down Under" é um hino que canta a Austrália. Uma música para uma plateia imensa cantar "de-cabo-a-rabo" com o vocalista Collin Hay, como aconteceu no encerramento dos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000.

Por outro lado, o Silverchair é a maior e talvez única banda que (até o Neon Ballroom) pode ser denominada como Pós-Grunge. Não que se limite ao termo, pois lembra mais Black Sabbath do que propriamente o grunge de Nirvana, Mudhoney, Soundgarden, Alice in Chains e Dinosaur Jr. Porém, não há quem ouça o Frogstomp e pense ser de uma banda de uma experiente banda de Seattle. Porém, mesmo sendo contemporâneo ao fim do grunge (enquanto movimento valorizado pela mídia mainstream. Ou seja, modinha), o Silverchair apresenta em seus 4 primeiros discos uma sonoridade bem mais pesada, com letras intimistas e parecem apresentar ao bom degustador de música boa um caminho que o grunge pode ter tomado após a morte de Kurt Cobain. Juntamente com Foo Fighters, Jane's Addiction, Placebo e Incubus, o Silverchair trouxe guitarras pesadas, bateria rápida como o punk, cheia de viradas e perceptivelmente espancada sem dó e letras intimistas, líricas e com algum conteúdo rasgante como o seu vocal. Porém, o Silverchair tem algo que todas essas bandas não tem: o sofrimento como tema. Não o sofrimento de vida do Foo Fighters, o amoroso do Jane's Addiction, o freudíaco do Placebo ou o de amadurecimento do Incubus. As letras de Daniel Jones trazem um sofrimento patológico da anorexia, o sofrimento existencial de um garoto de 14 anos e traduzidos com uma voz rasgadíssima e guitarras pesadas, baixo grave e uma bateria que parece quebrar dezenas de baquetas por show. Isso só o pós-grunge traz. E além desse rótulo, o Silverchair consegue ser lírico e triste com Cemetery, Emotional Sickness e Untitled. Pena terem perdido tudo isso em Young Modern. Mas mesmo a sonoridade mais pop de hoje em dia, faz do Silverchair uma banda diferente com letras mais maduras e orquestrações muito mais complexas do que as dos anos '90 e '2000.

Já em idos do novo milênio, surgem o Jet e o The Vines com uma sonoridade bastante próxima ainda do som dos Beatles. Não saberia explicar nem como nem porque, mas as bandas que, para mim, mais remontam a fase intermediária do Fab Four (entre o Help e o White Album) são essas duas. Muito pelo timbre das vozes de Craig Nichols e Nic Cester, respectivamente, de The Vines e Jet, se assemelharem ao timbre que John Lennon fez consagrar nessa fase dos Beatles. Algumas construções harmônicas e melodias pegajosas e líricas remetem bastante ao disco Revolver. O que nos traz à Austrália nessas duas bandas são as cores e texturas criadas pelos arranjos ora rasgados, ora líricos de ambas as bandas. A marca registrada da bateria de Phill Rudd do AC/DC também é recorrente na dinâmica das duas bandas. Porém, o que há de comum entre as bandas tem seu revés proporcional no que as difere. Jet, por um lado, traz um rock n' roll mais clássico e gingado nas guitarras. Um baixo mais marcado e dançante nas músicas mais agitadas. Por outro lado, o The Vines parece um som mais cru e rebelde. As gritarias mesmo em músicas lentas fazem do som da banda Craig Nichols tão esquizofrênico quanto seu frontman. Algumas texturas psicodélicas em sua guitarra fazem da confusão sonora, uma verdadeira gangorra de emoções. O The Vines parece mais animal em sua essência do que o Jet, que, por sua vez, não deixa de extravasar aos berros uma angústia pela volta do rock n' roll contestador do pragmatismo e de invenções pouco sucedidas dos fins dos anos 90. O que diferencia e muito essas duas bandas do cenário Strokes, White Stripes, Interpol e Libertines do início da década.

Por fim, o Wolfmother surge como uma tentativa quase bem sucedida de um regate às guitarras sujas, pesadas e cozinha potente. As guitarras do Wolfmother deslizam com os dedos de Tommy Iommy e a cozinha segura com muito peso a voz esganiçada e quase irritante de Andrew Stockdale. Um som para ouvir na estrada, gritar de raiva ou desafiar a morte. O peso quebrado do Wolfmother, assim como do Silverchair lembra muito o Black Sabbath, algumas pretensões progressivas do Deep Purple e uma voz capaz de alcançar o inimaginável do Led Zeppelin. Guardadas as óbvias proporções, o Wolfmother só não foi uma tentativa totalmente bem sucedida, pois só sobreviveu por um disco in natura. As orquestrações e invenções escalafobéticas da nova formação da banda perderam um pouco da crueza do som do primeiro disco. O que fez do Wolfmother uma banda como outra qualquer. E sem o requinte australiano. De um disco premiadíssimo de 2005, a 'nova' banda não conseguiu manter o entusiasmo dos que esperavam um algo a mais do stoner rock e do novo hard rock mundial. Porém, o Wolfmother de 2005 a 2008 pode ser considerado um ícone desse novo rock que estamos vendo hoje e um dos principais expoentes do rock australiano. Agora, o que acontece por lá para termos tantas bandas acima da média e fora do 'lugar comum' é uma pergunta ainda esperando resposta.

Enquanto isso, vale procurar um pouco mais do que vem da terra dos cangurus e de Angus Young.

Isso sem falar em outros muitos nomes como Grinspoon, Airbourne, Crawl, Savage Garden, Bee Gees...

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